Dia em Memória das Vítimas de Acidentes de Trânsito: Lembrar para nunca mais se repetir

Carlos Luiz Souza*

Em 1995, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou o Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes de Trânsito, reservado para todo terceiro domingo de novembro. A data é importante não apenas para lembrar vítimas diretas ou indiretas de acidentes de trânsito, mas também seus familiares e amigos.

Os desdobramentos de um acidente de trânsito com vítimas fatais alcançam a família e amigos mais próximos da pessoa falecida. A perda de um parente ou amigo pode ocasionar traumas naqueles que compunham seus vínculos de interações, com impactos psicológicos por longos períodos, inclusive comprometendo a capacidade para o trabalho ou para os estudos.

Além disso, grande parte dos enlutados segue suas jornadas com dificuldades financeiras devido à perda de membro que ajudava no sustento da casa. Mesmo quando não há vítimas fatais, em muitos casos, após o acidente inicia-se para os acidentados dolorosos períodos de recuperação, às vezes apenas parcial e com severas sequelas ainda mais prejudiciais para pessoas de baixa renda. Esses períodos quase sempre são acompanhados por processos burocráticos que aumentam o sofrimento de quem luta pela vida almejando retomar suas atividades.

Dados do Ministério da Saúde analisados pelo IPEA e divulgados no Balanço da 1ª Década de Ação pela Segurança no Trânsito no Brasil nos ajudam a entender todas as dimensões dos acidentes. Segundo esse estudo, foram registradas 392 mil mortes em acidentes de trânsito entre 2010 e 2019, um aumento de 13,5% em números absolutos de mortes. Ou seja, o Brasil ainda está longe do objetivo estabelecido com a ONU de redução do número de acidentes e mortes.

Vulnerabilidade elevada
Os estudos mostraram que, entre 2010 e 2019, 60% das mortes ocorridas no trânsito tiveram como vítimas pessoas que não haviam sequer finalizado o Ensino Fundamental. Entre os vários fatores relacionados a essas mortes, foram identificadas questões comuns às famílias de baixa renda: manutenção precária de veículos, falta de habilitação e equipamentos de segurança, além da prevalência de maior número de motocicletas, os veículos mais vulneráveis no trânsito.

O impacto também é grande nos cofres públicos. Neste período, os gastos do SUS com acidentes chegaram a R$ 3,8 bilhões, valor atualizado em maio de 2023 pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Os motociclistas foram responsáveis por 941.610 internações, mais da metade do total (52,3%). Em segundo lugar, acidentes com pedestres somaram 360.250 casos (21,3%). Fica claro o montante absurdo que o país desperdiça com eventos que poderiam ser evitados caso políticas públicas fossem mais eficazes e alinhadas com a necessária percepção de corresponsabilidade por parte da população.

Uma questão a ser vencida, e já identificada noutras situações, é a efetividade temporal após cada ação ou campanha de conscientização. De acordo com o estudo do IPEA, quando da implantação do novo Código de Trânsito em 1997 (Lei nº 9.503) e da Lei Seca em 2008 (Lei nº 11.705) foi verificado, em ambos os casos, considerável redução na ocorrência de mortes e acidentes de trânsito, provavelmente em função do apelo midiático que influencia no comportamento das pessoas.

Após a efervescência de cada momento, no entanto, houve uma retomada gradual nos registros em função de certo relaxamento natural, tanto por parte da população, quanto por parte das instituições.

Em mais uma data de emocionadas lembranças, fica o alerta para a necessidade constante para perceber riscos e proteger vidas no trânsito. Em um país repleto de leis, campanhas e ações, mas que continua a registrar dezenas de milhares mortes ou mutilações no trânsito, essas perdas deixam feridas ainda mais profundas naqueles que ficam guardando as lembranças dos que partiram.

*Carlos Luiz Souza é psicólogo especializado em Psicologia do Trânsito e vice-presidente da Associação de Clínicas de Trânsito do Estado de Minas Gerais (ACTRANS-MG).