Dentre as alterações no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) trazidas pela Lei 14.071/20, que entrou em vigor em 12 de abril de 2021, está a extensão da validade da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para 10 anos.
Com isso, cresce a preocupação relacionada às alterações que os condutores podem apresentar em seu estado físico e mental durante esse longo intervalo sem a realização de exames médicos e psicológicos.
Nesse novo cenário, a atuação dos profissionais de psicologia e medicina do tráfego ganha ainda mais destaque, uma vez que são eles os responsáveis por certificar a aptidão física e mental dos condutores antes da obtenção ou renovação da CNH.
A avaliação dos aspectos físicos, cognitivos e da personalidade, realizada por meio de perícia psicológica e médica, leva em conta aspectos internos (homeostasia) e externos (alostasia) que podem gerar riscos à segurança de motoristas e pedestres.
Assim, as características gerais e específicas apresentadas pelo indivíduo ao longo dos anos são de suma importância, pois influenciam de maneira contundente no processo de tomada de decisões que podem afetar o comportamento no trânsito.
Aspectos cognitivos básicos que devem ser considerados:
- Atenção: capacidade de discriminar estímulos e situações através da manutenção do foco nos diversos pontos da atenção (concentrada, alternada e dividida).
- Percepção: capacidade de compreender o sentido de algo através das sensações ou da inteligência.
- Memória: capacidade de receber, interpretar, analisar e reter as informações que chegam ao nosso cérebro.
- Pensamento e linguagem: capacidade de manter relações interpessoais, através da materialização de certos símbolos que explicam a relação do processamento cerebral com as emoções por meio da conexão com o sistema límbico.
- Raciocínio: capacidade de discriminar, perceber e processar imagens, ideias, experiências e símbolos.
Aspectos mentais e de personalidade
Além desses fatores, a personalidade do condutor também é avaliada no que diz respeito à tendência a ansiedade, agressividade, impulsividade, depressão, adaptação ao meio, capacidade de internalizar e externalizar as emoções, entre outras características.
De acordo com a psicóloga perita em trânsito Karla Emmerich, por meio das expressões das subjetividades e potencialidades dos estímulos, analisando os vários parâmetros citados, pode-se observar tendências de comportamento do indivíduo.
Portanto, uma vez que o ser humano é fruto de um sistema bio-psico-social —e qualquer desequilíbrio destes fatores pode gerar alterações. “Todos estes aspectos estão sujeitos a variações importantes ao longo dos anos, portanto, não se pode basear apenas na idade como parâmetro de análise e capacitação do examinado, pois não se pode precisar em que momento da história do indivíduo poderá ser desencadeado algum processo que pode gerar alterações nos aspectos anteriormente citados, comprometendo a segurança no contexto do trânsito”, afirma Karla.
Impactos da Covid-19
Com as restrições ao convívio social trazidas pela pandemia, os problemas relacionados à saúde mental cresceram bastante, como mostra uma pesquisa do Ministério da Saúde, que revelou que 86,5% dos entrevistados sofrem de ansiedade.
Além disso, o estudo mostrou a presença de transtorno pós-traumático em 45,5% das pessoas, enquanto 16% apresentaram depressão. “O papel dos profissionais de medicina e psicologia do trânsito vai muito além de periciar os condutores, pois eles também orientam as pessoas a buscarem especialistas em outras áreas da saúde para resolver problemas que podem impactar na hora de dirigir”, destaca o diretor administrativo e médico da ActransMG, João Neto.
Segundo dados levantados pela Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), os problemas de saúde foram as principais causas de cerca de 283,5 mil acidentes de trânsito registrados nos últimos anos, que resultaram em 247.475 feridos e 14.551 mortos.
Entre outras lutas, a ActransMG tem se empenhado para que a avaliação dos condutores seja feita somente por profissionais de saúde especializados, conforme prevê a Resolução 425/12 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). “É hora de juntarmos nossas forças e valorizarmos ainda mais a atuação dos psicólogos e médicos do tráfego. Precisamos de mais atenção e incentivos dos governos, mas devemos fazer o que nos cabe para contribuir com a segurança de todos”, finaliza João Neto.
Quer saber mais sobre a extensão da validade da CNH e sobre temas relacionados? Confira o texto “Alterações no CTB: o que muda para os médicos e psicólogos do tráfego”, em nosso site e se informe.
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