a saúde mental no Brasil enfrenta desafios que vão além da falta de psiquiatras e psicólogos na saúde pública. Na avaliação da psicóloga Adalgisa Lopes, o estigma ainda é a maior barreira a ser vencida no Brasil.

Não é falta de fé: preconceito é maior barreira para cuidar da depressão

Apesar dos avanços nas últimas décadas, como a luta antimanicomial e a adoção de um modelo assistencial extra-hospitalar, a saúde mental no Brasil enfrenta desafios que vão além da falta de psiquiatras e psicólogos na saúde pública. Na avaliação da psicóloga Adalgisa Lopes, o estigma ainda é a maior barreira a ser vencida no Brasil. “As pessoas escondem o diagnóstico por medo de serem rotuladas de ‘loucas’. A própria família esconde o portador de doença mental da sociedade. A pior barreira ainda é o preconceito”, observa. 

Um caso recente que ilustra essa situação é o da advogada e influenciadora digital Deolane Bezerra. Em entrevista recente, ela conta que ficou com “vergonha” de falar sobre o diagnóstico de depressão e que, antes de sofrer com a doença, pensava que ela era apenas um caso de ‘falta de fé’. 

Adalgisa, que é presidente da Associação de Clínicas de Trânsito do Estado de Minas Gerais (ACTRANS-MG), explica que essa ligação dos transtornos mentais com a falta de religiosidade acontece porque há um conceito antigo de que a psicologia seria a ciência da alma. “Para se apropriar do assunto e obter vantagens, há um número enorme de pastores, padres e curandeiros que dizem que depressão é falta de fé. E nisso, as pessoas, além de sofrerem com a doença, se sen
tem culpadas”
, conta. 

No topo do ranking

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), somos o país com a maior proporção de pessoas ansiosas no mundo (9,3% da população) e o segundo país das Américas com maior prevalência de depressão. Apesar disso, não falamos sobre saúde mental o suficiente para o assunto deixar de ser tabu. “Precisamos falar sobre o tema de forma mais aberta, ampla e constante. Vislumbramos uma abertura quando pessoas com notoriedade, como a ginasta Rebeca Andrade, a tenista japonesa Naomi Osaka e a ginasta norte-americana Simone Biles, tocam no assunto. Quando isso acontece, joga-se luz sobre o tema. Todos nós temos que falar sobre saúde mental, porque ninguém está livre de passar por algum transtorno, seja ele por questões hereditárias ou pelas contingências da vida diária”, observa a psicóloga. 

Acesso limitado

O resultado desse estigma é uma baixa adesão aos tratamentos. No Brasil, apenas 5% da população faz psicoterapia. “A humanidade sempre teve grandes dificuldades em lidar com as diferenças. Os familiares sentem muita dificuldade em compreender um comportamento diferente e tentam normatizar. Cria-se uma ilusão de que a pessoa só é diferente e negligencia-se o cuidado, permitindo o agravamento da doença, como, por exemplo, a evolução de uma depressão a uma tentativa de autoextermínio”, observa Adalgisa. 

A limitação das redes de atenção à saúde do SUS, que possuem um número pequeno de profissionais da área, também contribuem para a deterioração da saúde mental do brasileiro. “O acesso à psicoterapia só é possível pela rede particular, e até mesmo os planos de saúde não priorizam a contratação de profissionais para atender a alta demanda”, observa Adalgisa.