“Não foi um momento de fúria”, diz psicóloga do Trânsito sobre motorista do Porsche

Especialistas em Psicologia de Trânsito explicam fatores que contribuem para comportamentos violentos ao volante

“Não foi um momento de fúria. É um comportamento inadequado recorrente de uma pessoa perigosa no trânsito”. A psicóloga especialista em Trânsito e presidente da ACTRANS-MG, Adalgisa Lopes, explica que as informações divulgadas na imprensa sobre Igor Ferreira Sauceda, de 27 anos, que matou o motociclista Pedro Kaique Ventura Figueiredo após uma discussão de trânsito, sugerem que o comportamento do motorista do Porsche pode indicar um desvio de personalidade. “Não é só uma questão mental, também podemos pensar num desvio de personalidade, numa perversão na qual a pessoa cria as próprias regras e tem um certo prazer em fazer mal, se acha extremamente superior ao outro pelo carro que tem ou pela posição que ocupa”, detalha.

Adalgisa Lopes destaca que Igor também demonstrou ter uma falha significativa no que é conhecido como controle inibitório. Este controle é uma função executiva do cérebro, localizada no córtex pré-frontal, responsável por regular comportamentos impulsivos e reações emocionais. Segundo a psicóloga, “o controle inibitório é essencial para evitar reações desproporcionais em situações de estresse e raiva. No caso de Igor, essa função parece ter falhado, levando-o a uma ação impulsiva e fatal”, explica.

Falta de limites e educação
Adalgisa Lopes explica que o controle inibitório é construído ao longo da vida, com o amadurecimento do córtex cerebral, mas revela que há influência da educação e do ambiente familiar no desenvolvimento desse controle. Ela observa que muitos jovens, como Igor, podem ter sido criados em ambientes permissivos, onde os desejos são prontamente atendidos e os limites não são claramente estabelecidos. “Os pais têm um papel crucial na formação do comportamento social e emocional dos filhos. A falta de limites e a satisfação imediata dos desejos podem resultar em um baixo limiar de frustração”, detalha.

A psicóloga especialista em Trânsito e diretora da ACTRANS-MG, Giovanna Varoni, lembra que motoristas de carros potentes muitas vezes experimentam uma sensação de poder e invulnerabilidade ao volante. “Essa percepção pode levar a uma condução mais agressiva e arriscada. O caso em questão é um exemplo extremo de como a agressividade e a sensação de superioridade no trânsito podem resultar em tragédias”, afirma.

Adalgisa lembra de outro caso recente do motorista de Porsche que matou o motorista do Uber após dirigir embriagado e em alta velocidade e foi retirado da cena do crime pela própria mãe. “Esses casos refletem uma permissividade parental que pode contribuir para comportamentos irresponsáveis e perigosos no trânsito,” observa.

As especialistas destacam a necessidade de uma educação mais rigorosa e consciente por parte dos pais, além de uma maior responsabilidade social. “Precisamos ensinar nossos filhos a lidar com frustrações e a desenvolver um controle emocional adequado. Isso não é apenas uma questão de segurança no trânsito, mas de bem-estar social”, pontua Adalgisa.

Infrações recorrentes
As duas explicam que a Psicologia do Trânsito pode contribuir para reduzir o impacto desses comportamentos na segurança viária. Uma regra do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê a realização de avaliação psicológica para os motoristas infratores que tiverem a permissão para dirigir suspensa. O artigo 268 determina que, além do curso de reciclagem, o condutor passe por uma avaliação psicológica completa que verifique se ele está em condições de dirigir em segurança. “Nós sabemos que, por trás de uma violência tão grande como a desse motorista do Porsche e do outro anterior, havia um histórico de outras violências, outros crimes, outras infrações de trânsito graves. Então, nós temos que colocar este artigo para funcionar”, comenta.

Giovanna e Adalgisa destacam a importância de promover a educação no trânsito, campanhas de conscientização sobre os perigos da agressividade ao volante e a implementação de políticas rigorosas de fiscalização e penalização para comportamentos de risco.