Carlos Luiz Souza_psicólogo_presidente da ACTRANS-MG

OS “ORÁCULOS” ESTÃO CHEGANDO?

Decisão do STF fere rigor científico e pode custar caro a psicólogos e à sociedade   

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Artigo de Carlos Luiz Souza, psicólogo especializado em Psicologia do Trânsito e Jurídica, Ergonomia e Higiene Ocupacional, perito das Justiças do Trabalho e Federal e presidente da ACTRANS-MG

  

Uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) tem causado apreensão entre os profissionais que exercem a Psicologia no Brasil. Ao franquear o acesso aos manuais de testes psicológicos, de uso até então restrito a psicólogos, o STF emitiu um sinal preocupante de desprezo ao rigor científico e deu autorização para que más práticas relacionadas à atividade venham a se disseminar no país, em prejuízo da profissão e de quem usa seus serviços.   

A liberação irrestrita foi anunciada 17 anos após a abertura de um Inquérito Civil Público (ICP) que contrapôs uma resolução editada em 2003 pelo Conselho Federal de Psicologia (CRP) para restringir a comercialização e o uso de manuais de testes psicológicos a profissionais inscritos no órgão e determinar que as editoras registrassem os dados do comprador no momento do pedido.  

Encampado pelo então Procurador-geral da República Cláudio Fonteles, o reclame deu origem a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), julgada no último dia 8 de março, que invalidou as orientações contidas na resolução, sob a alegação de que tais restrições violam a Constituição, por limitarem o acesso a documentos científicos.   

Não por acaso, os mais diversos grupos de estudos que reúnem psicólogos no Brasil têm se mostrado preocupados com a decisão. E, embora editoras já tenham recomendado publicamente cautela e zelo no uso dos materiais, o alerta, ainda que importante, nos parece insuficiente.   

A situação é agravada pelo fato de não apenas os testes estarem agora disponíveis a qualquer interessado, mas virem acompanhados dos respectivos gabaritos.  

Apesar de o ministro Alexandre de Moraes, relator da matéria no STF, ter deixado claro em seu voto que a realização da avaliação psicológica não pode ser facultada de forma indiscriminada, não há dúvida de que a prática deve ser exclusiva daqueles que se valem da boa técnica, sob pena de comprometer a confiabilidade dos resultados.    

Do contrário, assistiremos a uma progressiva banalização da ciência e à proliferação de “oráculos” dedicados a treinar candidatos inscritos em concursos públicos ou pretendentes a uma carteira de habilitação, por exemplo, que farão com que o psicólogo se sinta como o professor que, ao aplicar uma prova, suspeita de que o aluno tenha uma “cola” sob a carteira.  

É possível esperar ainda uma avalanche de ações contestatórias por parte da sociedade, que sobrecarregarão ainda mais a Justiça.   

Ao mesmo tempo, deve-se levar em conta as dificuldades que tal decisão trará para o próprio CFP, que solicitou prazo para adequar a referida resolução, na tentativa de ao menos vedar o acesso ao gabarito – o que é importante, mas não resolve o problema. Se hoje o órgão encontra dificuldades para fiscalizar o exercício profissional, que dirá com o “liberou geral” proclamado pelo STF.   

Fato é que não há mais possibilidade de discutir o mérito da decisão – julgada a ação, não cabe suspensão de sua aplicabilidade. É possível, no entanto, opor embargos de declaração para aclará-la e pedir que seus efeitos sejam modulados – o que, esperamos, seja feito.   

Aos profissionais da área resta se unirem em defesa do rigor científico e da profissão, que continua a carecer de normas legais mais robustas, capazes de resguardar suas competências e, em consequência, sua credibilidade. Este pode ser, inclusive, o momento de se construir uma proposta que venha a reformular a própria lei que regulamenta a atividade, já tão vilipendiada, para preservar a Psicologia e os profissionais que a ela se dedicam.